Sobre morte e sabedoria

Ontem, foi dia de neurologista. Dia de ter que chegar no horário para ser atendida com sorte 4 horas após o horário agendado. Dia de reunir textos e mantras para ouvir enquanto o tempo passa. E de ver seres humanos nas situações mais delicadas dessa vida.

No início da doença, ver era difícil, não digo pelo fato de ver duplo, ausência de nitidez, desbotamento de cores, paralisia ao movimentar o globo ocular, era além, era extremamente doloroso ver pessoas sofrendo e não poder fazer nada para ajudar. Era uma contraposição: queria ver e não queria ver especificamente isso ou aquilo, como se fosse possível colocar um filtro nos olhos além de toda a patologia envolvida. Hoje em dia já aprendi a ter eterna gratidão por enxergar ainda que seja as desgraças do mundo.

Mas ontem foi um dia de muito aprendizado, os agendamentos dos pacientes acontecem por grupos específicos de patologias, estava no grupo de desmielinizante, mas havia um outro grupo para passar na neuropediatria e por isso havia muitos bebês e crianças. Eu estava ouvindo mantras e lendo um livro quando um pai ou responsável resolveu ver vídeos de sertanejo pelo celular (sem fone de ouvido), é um daqueles momentos que você retira os seus fones de ouvido, porque não há mantra que sobreponha as ondas do som do sertanejo, e respirei, porque se não estava fácil para mim, imagina para as mães e muito mais para os pacientes aguardando tantas horas para passarem em consultas, segurando-se em esperanças e crenças para que no fim ouçam boas notícias dos médicos.

Nesse momento, reparei numa criança ao meu lado, um garoto de uns 8 ou 9 anos vestido com uma roupa bem conforável azul da cor de sua cadeira de rodas, conversando com responsáveis por outros pacientes enquanto sua mãe foi ao sanitário. Felizmente, o rapaz ficou sem bateria no celular e desligou o vídeo de sertanejo, e antes que eu pudesse voltar aos mantras, ouvi esse garotinho dizer "... na minha última internação e é essa a minha condição por causa da doença, então, é por isso que eu não tenho medo da Morte, sabe, por quê? Porque ela vai vir qualquer dia me ver, disso eu já sei, não sei que horas exatamente, mas quando ela chegar, sabe? Sabe o que eu vou fazer? Eu vou abraçar ela e ela vai me levar para algum lugar que não sei ao certo, mas ela é minha amiga, não tenho medo dela por causa disso."


Imagem: academiahermes.com
Durante todo esse tempo em descobrir a patologia, buscar a regeneração e cura pela Medicina Ayurveda, verificar melhoras corporais, emocionais e comprovadas pela tecnologia sob a forma de exames, jamais consegui ter esse estado de consciência dessa criança: aguardar um abraço de uma amiga que me levaria a uma viagem para algum lugar desconhecido. Respirei, meditei, visualizei, procurei, encontrei, perdia, perseguia, mas sempre com muito medo, embora a impressão para algumas pessoas eram "que calma diante de um problema desses; que controlada", havia e de vez em quando há uma dúvida que aparece em forma de medo junto com um par de olhos estalados, será que vou continuar bem, regenerando, estabilizada? Será que é verdade mesmo, que deu certo? Não me prolongo em respirar sobre tais perguntas para que eu conclua que o melhor é correr parar abraçar a morte antes que ela venha fazer isso por sua própria conta, não pela pressa do acontecimento, mas pelo medo da dor.

E então, a vida faz a gente encontrar um garotinho pleno e com uma consciência dessas, com uma sabedoria que espero absorver algum dia, e ainda que não compreendo e tenho minhas revoltas, apenas agradeço por todas as emoções que sinto com essa experiência de vida. Que haja luz sobre todos seres vivos e que essa seja sábia 🙏

Conheça um pouco mais sobre minha história e campanha em Ana: em cura com Ayurveda.

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